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Consumo em cidades pequenas sobe 23% em cinco anos

Fonte: O Globo
30/03/2021
Vendas

Produtor de aço, fabricante de sabão em pó, empresa de depilação a laser e pizzaria. Empresas dos mais variados segmentos e portes buscam o crescimento bem longe das capitais, voltando-se cada vez mais para o interior. Os números comprovam esse movimento, que foi acelerado pela pandemia do coronavírus. Se entre 2015 e 2020 o consumo nas 50 maiores cidades avançou quase 15%, nos outros 5.520 municípios do país o crescimento teve um ritmo mais acelerado: 23%, segundo dados da consultoria IPC Marketing.

— Desde o início da pandemia, muitas pessoas se mudaram para locais menores, e elas buscam as marcas que conhecem das grandes cidades. Hoje, o foco é 100% interior — diz o presidente da rede espanhola de depilação Não+Pelo, José Rocco.

A migração para o interior, ressalta ele, fez a empresa redirecionar seus negócios. Das 15 aberturas previstas para os próximos meses, todas são em locais com menos de 50 mil habitantes. Hoje, 70% das 265 franquias da rede estão no interior.

Essa interiorização já vem permitindo que a rede, por exemplo, registre na loja de Nova Prata, uma cidade de quase 28 mil habitantes no interior do Rio Grande do Sul, um faturamento até 60% superior ao da capital Porto Alegre.

Marcos Pazzini, diretor da IPC Marketing, também ressalta esse movimento de mudança, com pessoas que buscam em locais menores uma melhor qualidade de vida, o que aumenta o poder de compra das cidades pequenas. Outro fator, segundo ele, é a alta de 36% no número de indústrias nos últimos seis anos nesses 5.520 municípios, de 1,5 milhão para 2,1 milhões. Com mais empresas, avalia ele, houve maior geração de emprego, o que ajudou a elevar a renda, dando fôlego ao setor de serviços:

— Muitas empresas passaram a investir no interior porque os custos são menores, o que torna abrir um negócio mais vantajoso.

Gabriel Di Blasi, advogado especialista em franquias e diretor jurídico da Associação Brasileira de Franchising Rio de Janeiro (ABF Rio), aponta outro efeito da crise provocada pela pandemia:

— O sistema de franquias vem se adaptando ao novo cenário da pandemia para compensar as perdas que o setor tem enfrentado. As redes de franquias enfrentam neste momento duras negociações com os shoppings centers dos grandes centros. Por isso, há aceleração de expansão de marcas e unidades de negócio para o interior do Brasil.

Esse potencial também tem atraído gigantes como a ArcelorMittal. A siderúrgica acaba de lançar um plano para abrir franquias em cidades do interior, a fim de vender ao consumidor final produtos feitos a partir de aço, como arames, cercas e chapas. Segundo Silmara Vernucio, gerente de Estratégia de Varejo da ArcelorMittal, a meta para 2021 é abrir 15 lojas, chegando a cem endereços em quatro anos.

— As cidades menores contam com um potencial grande de consumo. Para isso, fizemos um estudo em todo o país mapeando população, déficit populacional, entre outros itens. Conseguimos ver a melhor rua e fornecer essas informações ao franqueado interessado em abrir a unidade. Por ser da cidade, ele já conhece a população local e suas necessidades — explica Silmara.

A Unilever segue caminho parecido. Com a marca Omo, quer abrir lavanderias pelo país. Teo Figueiredo, diretor do projeto, diz que as cidades menores são estratégicas dentro do plano de negócios da companhia:

— Ajustamos o nosso modelo de loja para cada cidade, considerando diversos indicadores demográficos e mercadológicos. Quando um franqueado abre uma operação, identificamos para ele cidades próximas para operar também, aumentando a capilaridade da rede.

Para o presidente do Mercadão dos Óculos, Gustavo Freitas, a crise gerada pela pandemia de Covid-19 fez com que muitas pessoas, ao perderem o emprego, buscassem novas oportunidades de investimentos. Além disso, as medidas de distanciamento social acabaram reduzindo o deslocamento entre cidades do interior, o que acabou estimulando os negócios locais.

— A busca pelo interior ganha força desde 2016. Por isso, passamos a investir em modelos específicos para cidades menores, com menor estoque, já que o giro dos produtos é menor. Há uma demanda reprimida de consumo — diz Freitas.

Cerca de 70% das 427 lojas do Mercadão dos Óculos estão fora de capitais e regiões metropolitanas. Desse total, quase 30% estão em cidades com menos de 30 mil habitantes, conta Freitas.

Para Gean Mark, diretor de Expansão da Domino’s Pizza, o interior é um mercado em potencial para a construção da cultura do delivery:

— Em vez de ir para os grandes centros, muitas pessoas estão optando por cidades menores, elevando o potencial de consumo dessas regiões e abrindo mercado para novos investimentos — explica, lembrando que 65 das 308 unidades no Brasil estão no interior.

Esse movimento não se restringe às redes multinacionais. Com sede na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio, a pizzaria Forneria Original também decidiu se expandir no interior do estado.

— Nos últimos dois anos tivemos um crescimento expressivo na capital e Região Metropolitana do Rio, então, para continuar avançando, precisamos ir para o interior. Em março, chegamos a Petrópolis, e em abril inauguramos Cabo Frio. Ainda estão nos planos Itaipava, Teresópolis, Barra Mansa e Volta Redonda — diz Darlene Rocha, diretora operacional da Forneria.

Outra empresa do setor de alimentos que também se rendeu aos encantos do interior foi a Fábrica de Bolo Vó Alzira. De suas 300 lojas, 25% estão em cidades como Miguel Pereira, com quase 26 mil habitantes, no Estado do Rio. Segundo André Rodrigues, presidente da empresa, o interior se tornou um local para investimentos conforme as pessoas passaram a ficar mais focadas em qualidade de vida:

— Criamos um modelo compacto com investimentos menores. Embora esse movimento de investir no interior seja crescente, ainda estamos fazendo um trabalho de marca nesses locais.

Oportunidades de negócio

A empresa de telefonia Algar também se movimenta na direção do interior, mas seu projeto, além da venda de serviços, prevê o investimento em infraestrutura por parte do franqueado. O aumento da demanda por internet provocado pela pandemia, conta o diretor de Negócios de Varejo da Algar, Marcio Jesus, ajudou na expansão do projeto. Já são 81 cidades, como Araporã, em Minas Gerais, com quase sete mil habitantes. Em 2020, o segmento de franquias respondeu por 30% do faturamento da área.

— Já identificamos onze novas cidades, que foram divididas em oito grupos. Criamos essa estratégia de forma que o mesmo franqueado possa fazer o investimento em cidades próximas, de forma a rentabilizar o projeto — explica Jesus.

Na Ortobom, dos 2.400 pontos em operação no país, cerca de 30% de estão em cidades como Primavera do Leste, em Mato Grosso, com 61 mil moradores, e Feliz, no Rio Grande do Sul, com 13 mil habitantes. Segundo Diego Lima, executivo da empresa, o interior é o principal foco para abertura de novas lojas. Para lá devem ir quase todas as 140 novas unidades previstas para este ano.

Já a Casa do Celular, de capas e acessórios para smartphones, tem por foco de crescimento hoje localidades entre 100 mil e 300 mil habitantes, diz seu fundador, Darlan Almeida. Elas hoje concentram 43 lojas de um total de 130. Para este ano, a meta é ter 100 lojas nessas cidades menores.

— Na pandemia aparecem oportunidades de negócio, como localizações disponíveis que antes eram inviáveis — explica Almeida.