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Trabalho remoto permanente demanda nova regulamentação

Fonte: Folha de S.Paulo
13/10/2020
Legislação

A crise sanitária obrigou empresas de diferentes portes a reorganizarem as suas equipes que atuam em escritórios. Adotaram, praticamente de um dia para o outro, diferentes modelos de trabalho remoto. Passados quase sete meses sob a pandemia, muitas delas avaliam adotar o home office de maneira definitiva.

Faltam, porém, regras claras para que essa transferência seja juridicamente segura para empregadores e empregados. De um lado, existe a preocupação com a desconexão dos funcionários, que estão longe dos olhos de gestores. De outro, há quem veja o risco de esse modelo burocratizar a relação e afundar antes mesmo de se consolidar no país.

Desde o início da pandemia, sete projetos de lei foram apresentados na Câmara e no Senado propondo alterar a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) para ajustar os artigos que tratam do teletrabalho.

Em setembro, uma comissão coordenada pelo professor de direito do trabalho da FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas), Ricardo Calcini, começou a elaborar um anteprojeto. O grupo tem 70 integrantes, entre advogados, professores, representantes de empresas, sindicatos e federações.

A ideia é propor uma alteração na CLT que contemple também a situação vivida nos escritório hoje. “Esse amontoado de gente que, de uma hora para outra, foi trabalhar em casa, não tem proteção ideal”, diz Calcini.

A CLT prevê dois tipos de trabalho fora de empresas. Um refere-se ao trabalho no domicílio, o outro ao teletrabalho —esse último incluído pela reforma trabalhista de 2017.

As diferenças entre os dois são tênues e têm também relação com as transformações pelas quais o mercado de trabalho vem passando. Para que alguém esteja em teletrabalho, por exemplo, é necessário que sua atividade seja majoritariamente executada por meio de sistemas de informação, como computador ou telefone.

Por exemplo: uma costureira que, a partir de sua casa, produza peças para a firma que a emprega está em trabalho no domicílio, mas não em teletrabalho. Essa trabalhadora tem, segundo a CLT, os mesmos direitos daqueles que atuam de maneira presencial, incluindo controle de jornada.

Um dos pontos mais críticos do enquadramento como teletrabalho é justamente esse, o controle de jornada.

“Tenho a plena convicção de que não são todos os que estão em teletrabalho que precisam ter controle de jornada, mas a orientação mais conservadora é para que as empresas controlem. Até para evitar a judicialização”, diz Calcini.

Apesar da previsão da lei, o advogado Luiz Calixto Sandes, do Kincaid Mendes Vianna Advogados, não é favorável à dispensa no controle. Ele considera que o respeito à jornada de trabalho acordada protege a saúde dos trabalhadores, mas também evita expor à empresa a riscos.

“Você não pode ter gente enviando emails, trabalhando às nove, dez horas da noite. É uma coisa que a gente sabe que acontece no home office, mas que a legislação não permite. É um risco para os dois.”

A sócia da área trabalhista do Trench Rossi Watanabe Letícia Ribeiro vê na possibilidade de se tornar obrigatório o controle de jornada um risco à aderência do home office no mercado de trabalho.

"Basicamente, a flexibilidade, que é um atrativo também para muito empregados, seria removida”, afirma.

Em setembro, o Ministério Público do Trabalho publicou uma nota técnica com 17 pontos que servirão de parâmetro ao trabalho dos procuradores e, entre eles, incluiu a recomendação para que as empresas adotem mecanismos de monitoramento do tempo de trabalho dos funcionários.

Alberto Balazeiro, procurador-chefe do Trabalho, diz que a nota é apenas uma interpretação da legislação vigente. “Na urgência, você permite exceções. Está claro que o teletrabalho é uma realidade e a gente tem que encontrar um ponto de equilíbrio”, afirma.

O PGT diz que a publicação é também um convite ao debate sobre as condições desse trabalho que passou a ser exercido em casa. Balazeiro afirma que o teletrabalho incluído com a reforma presumia a liberdade de o funcionário estabelecer uma rotina e atender demandas.

“Na prática, o teletrabalho atual ficou só uma mudança do lugar, muito mais assemelhado ao home office [trabalho no domicílio]. Você trabalha de 8h às 18h, o tempo inteiro, e pior, com extensão de jornada, sem direito à desconexão. Passa da sua jornada e você continua respondendo email, respondendo WhastApp, telefonema.”

A advogada do Trench Rossi Watanabe defende que se discutam meios de coibir excessos, mas sem que eles venham a engessar a modalidade, que ela considera bem-sucedida.

“Quem pode ficar em teletrabalho já tem um perfil diferenciado. Não são todas as posições que permitem esse trabalho remoto. E hoje, está vendo as vantagens da flexibilidade de horário, de um convívio maior com a família, de evitar o trânsito”, afirma.

Na semana encerrada em 19 de setembro, 7,8 milhões de trabalhadores estavam em trabalho remoto no Brasil, segundo a Pnad Covid, pesquisa do IBGE para monitorar os efeitos da pandemia sobre o trabalho. Desses, mais da metade (4,4 milhões) está na região Sudeste.

Para Letícia, se o trabalho remoto passar a reproduzir a rotina da empresa, as vantagens desaparecerão. “Se ele tive que logar às 9h, for obrigado a parar às 13h, voltar a ficar disponível um certo tempo fixo depois. Não vai ser interessante”, afirma. “O foco é na entrega do trabalho.”

A nota do MPT também recomenda que as empresas garantam os equipamentos necessários à execução do trabalho e adotem uma “etiqueta digital”, de modo a garantir o direito à desconexão dos funcionários.

Para advogada Cláudia Orsi Abdul Ahad Securato, do Oliveira, Vale, Securato & Abdul Ahad Advogados, a nota dos procuradores vem no sentido de prevenir abusos típicos de situações novas. “Sabemos que há vantagens em trabalhar em casa, especialmente em grandes metrópoles, mas a gente vive em um país que não tem igualdade digital.”

Na pandemia, a adoção do teletrabalho ou do trabalho em casa foi coberta pela Medida Provisória 927, de 22 de março, que facilitou a adoção, dispensando, por exemplo, o acordo individual e o comunicado com 15 dias de antecedência.

A MP perdeu a validade em 19 julho, porém, segundo Luiz Calixto Sandes, as empresas que a adotaram enquanto ela estava em vigor estão protegidas. “Meu entendimento é de que se aplica o ato jurídico perfeito, portanto, quem adotou o home office apenas por mero aviso, permanece assim”, afirma.

Para quem avalia esticar o teletrabalho, os especialistas concordam que a legislação não cobre os arranjos atuais. O que sobra às empresas é a realização de acordos. Firmas maiores, com acesso aos sindicatos, devem tentar negociações coletivas.

Para as menores, Calcini, da FMU, recomenda a realização de acordos individuais ou a criação de regulamentos de conduta, que possam prever parâmetros para jornada, remuneração e direito à desconexão.

Outra possibilidade é a empresa adotar um modelo híbrido. Se três dias de trabalho durante a semana forem mantidos no modelo presencial, o arranjo não cairá no teletrabalho.

AS 17 RECOMENDAÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

A nota técnica traz medidas que os procuradores consideram importantes

Ética digital
Respeitar ética digital no relacionamento com trabalhadores, preservando intimidade, privacidade e segurança pessoal e familiar

Aditivo contratual
Incluir do teletrabalho no contrato, por meio de aditivo, tratando da duração do contrato, responsabilidade e a infraestrutura para o trabalho remoto, bem como reembolso de despesas relacionadas ao trabalho

Ergonomia e conforto
Observar as necessidades de organização para trabalho quanto à ergonomia, à organização e às relações interpessoais, como o formato de reuniões, feedbacks e transmissão de tarefas

Setor de telemarketing
Garantir ao trabalhador do setor a aplicação da norma regulamentadora 17, com a implantação de pausas e intervalos para descanso, repouso e alimentação, para impedir sobrecarga psíquica, muscular estática de pescoço, ombro, dorso e membros superiores

Apoio técnico
Oferecer suporte tecnológico, orientação e capacitação aos trabalhadores para o uso das plataformas de trabalho remoto

Saúde e segurança
Instruir os funcionários quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças, físicas e mentais e acidentes de trabalho, e também como adotar intervalos e exercícios laborais

Adaptar a rotina
Observar a jornada contratual, com a compatibilização das necessidades empresariais e de trabalhadores ante às responsabilidades familiares

Respeito à desconexão
Orientar todo a equipe a cumprir horários de atendimento virtual a demandas, assegurando tempo de repouso e direito à desconexão, bem como medidas que evitem intimidação

Privacidade
Respeito ao direito de imagem e à privacidade, por meio da orientação e fornecimento de avatares, imagens padronizadas ou modelos para o uso em transmissões online

Cessão de direitos
Garantir que os funcionários autorizem o uso de imagem e voz na produção de materiais para divulgação em plataformas digitais abertas

Estabelecer prazos
Garantir que o uso de materiais produzidos durante a pandemia sejam restritos aos período sob a crise sanitária

Liberdade individual
Garantir o exercício da liberdade de expressão, ressalvadas ofensas que caracterizem calúnia, injúria e difamação

Atenção à saúde
Estabelecer políticas de autocuidado para identificação de potenciais sinais e sintomas de Covid-19, com garantia de posterior isolamento

Idosos
Garantir que o teletrabalho seja oferecido ao idoso de forma a favorecer a liberdade e direito ao exercício do trabalho, respeitadas condições físicas, intelectuais e psíquicas

Pessoas com deficiência
Assegurar que o teletrabalho favoreça às pessoas com deficiência, obtenção e conservação do emprego e progressão na carreira, garantindo acessibilidade e adaptação

Controlar a jornada
Adotar mecanismo de controle de horas

Atenção ao demitidos
Estimular a criação de programas de profissionalização para a mão de obra dispensada