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Modelos mais flexíveis de trabalho ganham espaço após pandemia

Fonte: Valor Econômico
11/09/2020
Gestão

Falar de flexibilidade antes da pandemia significava quebrar tabus para defender o home office, horários de trabalho não rígidos e uma gestão pautada mais pela entrega do que pelo controle e supervisão do funcionário. Com a pandemia e as empresas se vendo forçadas a experimentar o trabalho remoto em larga escala, as políticas de flexibilidade viraram o ‘novo normal’ para muitas organizações.

Um relatório recente da Deloitte com 1.007 executivos, representando 662 empresas, sendo 55% delas com até R$ 100 milhões de faturamento e 25% acima de R$ 1 bilhão, indica que a flexibilidade na gestão do trabalho ganhou força. Antes da covid-19, 24% das empresas ofereciam teletrabalho ou políticas flexíveis. Com a crise, até pela questão do distanciamento social, esse número subiu para 98%.

“Estamos exercitando um olhar diferente [dentro do RH], que tem a ver com inclusão e respeito às individualidades, e conciliar o que é necessidade da empresa com as possibilidades das pessoas”, diz Elisabete Rello, diretora de RH da Bayer no Brasil. Apenas 10% dos 2.400 funcionários do escritório manifestaram desejo ou necessidade de voltar ao trabalho presencial. Diante desse cenário, a empresa diz que o RH está desenhando um modelo que permite às pessoas “fazerem escolhas”, com uma flexibilidade muito maior do que a Bayer tinha como política de home office para algumas áreas e equipes antes da pandemia.

O modelo, chamado internamente de ‘Next Normal’, permitirá mais autonomia para escolher local de trabalho, horários e é baseado em ‘entregas qualitativas’. “A gestão de desempenho vai sofrer uma transformação enorme, inclusive para incluir fatores que pressupõem a construção de relacionamentos que agora ocorrem e continuarão a ocorrer de forma frequente no ambiente virtual”.

Na Johnson & Johnson, as ações de flexibilidade são vistas como uma estratégia global para cuidar da saúde física e mental dos funcionários e também como retenção de talentos, segundo Betina Lackner, diretora de RH no Brasil. Os funcionários podem adotar diferentes horários de entrada e saída ou dividir a jornada (das 6h às 10h e depois das 14h às 18h). Essa flexibilidade serve para todos os dias ou de forma variada ao longo da semana, desde que seja respeitada a jornada completa.

Há também a possibilidade de uma semana de trabalho compacta, com o funcionário trabalhando quatro dias úteis, 10 horas por dia, e assim ter um dia livre na semana para acomodar questões de casa, família e saúde. Para quem escolher, não há impacto no salário, benefícios ou férias. “O tema flexibilidade já era parte da nossa forma de trabalhar, mas com a pandemia exercitamos mais essas ações à medida que 70% das pessoas foram atuar de casa. O menu ficou mais completo”, diz Betina.

Uma ação nova, segundo a executiva, foi a adoção de licenças remuneradas para aqueles que enfrentavam algum problema pessoal ou de saúde, mas não desejavam se desligar da empresa. “Tivemos um número grande de pessoas que a utilizaram, em especial no Brasil”, diz. O retorno ao escritório, em São Paulo, será feito por ‘ondas’ e a flexibilidade de escolha será mantida, diz. “O olhar individual será ainda mais importante daqui para frente”, afirma.

O diretor de RH da Danone, André Rapoport, avalia que a flexibilidade de trabalho foi fundamental para evitar sobrecarga, estresse e dar ferramentas às pessoas para lidar com jornadas até quádruplas. Na Danone, que colocou 1.000 pessoas do escritório em casa nos últimos meses, a flexibilidade para atuar e trabalhar vem sendo estimulada há dois anos, com o treinamento de gestores. “Não dá para existir a figura do gestor supervisor, que quer verificar se as pessoas estão trabalhando”, diz.

Esse treino dos gestores incluiu definição de “metas cristalinas” para que cada funcionário organize seu tempo, entenda as prioridades e trabalhe com autonomia. Ao ter relações mais maduras e um olhar menos voltado à supervisão, o nível de participação dos funcionários em projetos e iniciativas aumenta, diz o executivo. E, com o trabalho remoto, sem as restrições dos espaços físicos, as “reuniões foram democratizadas”. “As pessoas souberam ocupar os espaços, criando formas de contribuir, participando da tomada de decisão de várias áreas. Grande parte dos projetos novos que surgiram foi feita por funcionários abaixo do nível de gerência”, diz Rapoport.

A flexibilidade de atuação também foi praticada em maior escala na VLI durante a pandemia. Principalmente pelas condições impostas pelo isolamento social, conta Rute Melo Araújo, diretora de RH. “Algumas áreas administrativas das nossas operações passaram a combinar o melhor fluxo de trabalho, de forma autônoma, para entender quando realmente fazia sentido estar presencialmente. Elas descobriram que uma vez por semana bastava. Nós vimos que funcionava para o negócio e que dar autonomia para cada um era uma boa diretriz”, conta.

Na VLI, que tem 7.500 empregados, sendo cerca de 15% administrativos 85% operacionais, a flexibilidade foi incorporada como política e deve permanecer no pós-crise. Nos escritórios, a regra de horário flexível até valia, mas não era tão evidente, diz Rute. “Agora, há uma estrutura de RH e políticas que deixam mais claro que as pessoas podem começar e terminar quando quiserem, desde que respeitem a jornada”. Um grande pilar que o RH trabalha agora, até para pautar o retorno ao escritório, diz Rute, é que as pessoas tenham “escolha” e possam “falar o que funciona melhor para elas”. “Ninguém tem as respostas do que funcionará melhor, então é na boa comunicação, no diálogo permanente, que vamos ganhar esse jogo”.

Na TIVIT, multinacional de TI com 6,4 mil funcionários, um mapeamento interno foi realizado para entender os perfis que funcionavam e quem queria manter o trabalho remoto daqui para frente. A empresa criou um modelo flexível, com três grupos de trabalho: há os que permanecerão full-time remotos, aqueles que atuarão de forma parcial, retornando ao escritório alguns dias por semana’ e aqueles que ficarão 100% de forma presencial. “Entendemos que o negócio funciona remoto, mas tem gente que quer e precisa voltar. Então, a flexibilidade é uma escolha. Quem quiser ir e não tiver mais mesa prevista poderá agendar um lugar ou usar um espaço compartilhado”, diz George Bem, CTO da TIVIT. Grande parte de seu time, de 250 pessoas, por exemplo, ficará 100% remoto.

Para organizar o fluxo de trabalho e garantir que as pessoas aproveitassem a flexibilidade que o trabalho pode gerar, Bem cita algumas ações: uma delas foi realizar reuniões de checagem diárias de 10 minutos para que não fosse preciso “um ritual” para que um projeto fosse iniciado. Nas reuniões maiores e com muitas pessoas, uma iniciativa foi garantir flexibilidade de entrada. “Não faz sentido alguém ficar numa reunião por quatro horas se só vai participar no final. Então criamos entradas e saídas, e a pessoa só entra no horário que for contribuir ou participar”.

Já na Ingredion, a política de flexibilidade de horários foi reforçada globalmente, orientando os funcionários a bloquearem a agenda nos horários que precisam realizar tarefas domésticas ou pessoais. Com relação ao local de trabalho, o CEO no Brasil, Leopoldo Horle, disse que ouviu os funcionários para entender se eles desejavam manter o remoto full-time. A minoria optou por isso e a liderança decidiu, com a reabertura dos escritórios neste mês, manter a possibilidade do remoto até três vezes na semana. “Enxergamos esse modelo flexível, com home office, mas com encontros ocasionais, equipes multidisciplinares e momentos para inovação”. Nesse modelo híbrido, diz Horle, será preciso rever benefícios. “Assim como no modelo operacional, os benefícios vão ter que ser flexíveis. Uma pessoa que vai todos os dias terá VA (Vale Alimentação) e VT (Vale Transporte) diferente daquela que escolhe ficar em casa. O que precisamos é dar oportunidade para que elas escolham”. Para o executivo, essa flexibilidade é importante p

Porque “é tudo muito novo” e nem ele, como CEO, nem a liderança direta, têm as respostas para todas as questões da nova gestão. “Vimos que sem dar autonomia e poder de decisão às pessoas não conseguiremos passar por esse momento”.